Hamaca Paraguaya e a dor da espera

Existe algo mais angustiante que a espera? 

Hamaca Paraguaya é um filme que nos faz sentir na pele essa angústia. A espera, lenta e dolorosa, não é apenas marcante na atuação dos personagens, mas também na estética do filme, com cores frias, planos sequência muito longos, pouca movimentação de câmera e de atores, além de diálogos vagarosos e melancólicos. De poesia singular, a obra apresenta um ritmo que desafia os espectadores no convite a outra forma de pensar o tempo, mais profunda e contemplativa.

O longa nos conta a história de um pai e uma mãe que esperam seu filho voltar da Guerra do Chaco, contra a Bolívia, em 1935. É uma família pobre que tira seu sustento da lavoura. Faz muito calor, mas o tempo nublado parece anunciar uma tempestade. O casal espera ansiosamente pela chuva, que nunca vem, do mesmo modo esperam pelo filho, que nunca chega. A mãe sente que o filho já está morto, mas o pai mantém sempre as esperanças. “Não há nada que possamos fazer”, afirma a mãe. Várias vezes ela repete essa frase, evidenciando a impotência humana diante da passagem do tempo e dos fenômenos externos, como a chuva e a morte. A guerra também traz impotência ao pobre povo paraguaio, pois lhes rouba os filhos para lutar por riquezas para um país que os abandona à própria sorte.

Lançado em 2006, Hamaca Paraguaya é o filme de estreia da diretora Paz Encina e o primeiro longa-metragem paraguaio relevante desde 1978. O país ficou 35 anos (de 1954 à 1989) sob o regime ditatorial do General Stroessner, o que barrou e muito o avanço das produções culturais como um todo neste país. O cinema paraguaio é o que mais destoa dos demais países do Mercosul, composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, por ser o que menos investe no mercado audiovisual, não possuindo leis que amparem o cinema nacional. Hamaca Paraguaya só foi possível por causa da coprodução com Argentina, França e Holanda, já que no Paraguai o apoio governamental ao cinema praticamente não existe e quem domina as exibições nas salas de cinema são os filmes norteamericanos e europeus. O único órgão governamental de apoio à produção dos filmes surgiu em 1998, o Fondec, um fundo nacional em prol da cultura e das artes, que destina verba para todos os setores culturais, não especificamente só ao cinema, oferecendo valores bem pequenos para as produções. Para se ter ideia, o filme de Paz Encina teve um orçamento total de 624 mil euros, dos quais apenas 14,5 mil vieram da verba do Fondec. Para Alonso (2002), o essencial para que o Paraguai conte com uma produção cinematográfica mais consistente já existe, são os realizadores e realizadoras que têm talento e disposição para a função, mas o que falta são condições financeiras e políticas para que essas pessoas façam seus filmes.

Hamaca Paraguaya é uma obra que, por suas particularidades artísticas, não foi para os grandes circuitos comerciais, mas ganhou visibilidade em festivais, recebendo o  prêmio Fipresci/Um Certo Olhar no Festival de Cannes. O filme é todo falado em guarani, visto que, junto com o castelhano, é a língua oficial do país. A diretora  se preocupa em fazer um filme ao qual o povo paraguaio possa assistir e identificar-se. Identificar sua história, sua cultura e sua dor.

Enquanto a angustiante espera do casal decorre, a cadela do filho que partiu para a guerra não para de latir. É o som agonizante de seu latido, como se gritasse por seu dono, que marca os dias deste casal. Interessante frisar o quanto a sonoridade é importante nesta obra. Os sons significam muito, seja o vento cortante da tempestade que se anuncia mas não chega, do latido perturbador da cadela, ou mesmo do silêncio de uma vida rural e isolada da cidade. Além disso, vários diálogos não acontecem no mesmo tempo da cena. Por exemplo, enquanto vemos o pai trabalhando na lavoura, ouvimos o último diálogo que ele teve com seu filho antes que o mesmo partisse para a guerra. O tempo no filme de Encina é subjetivo e reflexivo, está ligado à vida e aos sentimentos dos personagens. Dessa forma, os longos planos sequencia e a pouca movimentação de atores e câmeras, nos fazem sentir também esse tempo arrastado em que as coisas nunca acontecem ou se resolvem, um lugar onde a angústia da espera e a impotência diante das tragédias da vida também se estende ao espectador.

“Hamaca” é o nome que se dá a rede de descanso. Na maioria das cenas o casal descansa numa rede amarrada nas árvores da fazenda. Sentados ali, observando o céu, reclamam do calor, lamentam a chuva que não vem, o cachorro que não para de latir, a guerra que não acaba nunca, o filho que não volta. A mãe alerta para um fato: a rede está velha e logo vai ceder. “Já mal aguenta nós dois…”, afirma ela. Do mesmo modo, anuncia o quanto estão velhos e solitários, só têm um ao outro. Assim como a rede, a vida dos dois também pode ceder, além da angústia de que talvez a de seu filho também já tenha cedido. A fragilidade da vida está sempre sendo mostrada de alguma forma…

Porém, na cena final, quando anoitece e a tela escurece, podemos ouvir, finalmente, o som da chuva caindo, como uma mensagem de esperança que a diretora deixa para o povo paraguaio.

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Referência Bibliográfica:
ALONSO, Luis M. Algunos nombres del cine paraguayo. In: MOURE, Fernando (Org.) Id –identidades em tránsito 2002, Paraguay.Assunção: Arte Nuevo, 2002
Por Fernanda Paz