“Subybaya” e a autossuficiência no cinema

“Somos hoje uma indústria sem chaminés, embora se fume muitos charutos”. (Jairo Ferreira).

Construir um filme que se pretende contestador e autossuficiente é assumir para si o conservadorismo do mundo. No regime de imagens e política contemporânea, a lógica é clara: calar aquele que o contesta no próprio discurso é blindar-se à liberdade. É pintar os muros de uma cidade de cinza para que não haja discursos contrários às lógicas dominantes de ordem, é solicitar a uma rede social que proíba comentários com figuras de vômitos para que não atinjam o homem que se forja presidente. Se, como disse Vladimir Maiakovski “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”, podemos ir além: o esgotamento da forma se constrói no instante exato em que ela se circunscreve a si, considera-se imponderável e questionável a experiência de quem a vê.

Subybaya, de Leo Pyrata, se serve de uma ordem de sofisticação cinematográfica: a proporção de tela é 4:3, a imagem é limpa e bem composta, a narrativa é pontuada por cartelas com citações. Neste lugar de padrão de qualidade, ele quer ser visto como cinema. Ao lado deste procedimento, apropria-se de um tour de force temático: falar da mulher, de sua representação no cinema e dos discursos que emergem deste lugar.

A citação de Virginia Woolf sobre “o que é ser mulher” na cartela de apresentação do filme lança e, ao mesmo tempo, sedimenta o território sobre o qual o filme pretende dar conta. A partir daí, acompanhamos Clarisse, uma mulher branca, que frequenta festas em lugares privados, mas fica em dúvida de que modo pode se entregar a uma vida hedonista. O filme começa com uma longa sequência, filmada com um jogo intensivo de luzes coloridas, a passear por corpos distintos, que dançam e se tocam. A cena parece apostar na libertação do prazer. No entanto, o filme não se permite adensar esta possibilidade, pois seu interesse primeiro é discutir uma agenda: como uma mulher pode experimentar isso.

Para discutir tal agenda, é necessário transformar todas as nuances em algo mastigável, palatável e pretensamente importante ao público (as cartelas com citações de feministas, como Simone de Beauvoir e Camille Paglia cumprem também este didatismo que se forja de intelectual). Em primeiro lugar, a protagonista precisa ser assediada no ambiente de trabalho e, nesta obra, é um homem negro que a oprime. Em segundo lugar, ela deve escutar os conselhos de outra mulher, supostamente bem resolvida, que se dispõe a experimentar uma camisinha feminina e explica que o gozo está na mulher e não no outro. Daí em diante, Clarisse busca encontros sexuais com diferentes parceiros em boates.

Subybaya pretende questionar um discurso de gênero defendendo-se. Se, a partir da trajetória do diretor, podemos encontrar a pretensão de uma proximidade de linguagem com o cinema de invenção e marginal, neste novo longa-metragem não há o que mais caracterizava as obras dessa época: coragem. Inventar, ter o escárnio consigo, produzir imagens que pretendiam chegar ao mundo e, a partir disso, criar outra ordem estética e de prazer possíveis. Crendo que basta ao corpo sensualizar-se, basta a montagem se constituir de forma jocosa, basta uma radicalização do uso das cores e das formas para que se tensione um lugar possível à compreensão do cinema pelo gênero. Subybaya é apenas um filme com medo. Colocar vozes em off de mulheres que parecem avaliar o cinema do diretor, criar situações fabuladas em que garotas e líderes femininas questionam as escolhas cinematográficas da obra, usar frases de filósofas e escritoras ligadas ao feminismo para organizar a fala no filme é blindar-se à experiência. É exaurir o que talvez seja a maior potência do cinema: não se resumir à realização, mas pôr-se em contato em outro lugar que nasça da experiência concreta do espectador.

Se nos bastasse a arrogância e corpos nus para filmes contestadores, as invenções pululariam. Pretendendo tensionar questões de representação de gênero de um lugar delicado, que é de um homem falar sobre as mulheres, a obra se elide em sua própria forma. E, no limite, torna o incômodo que poderia causar às pessoas favoráveis ao feminismo apenas a noção que, quando o discurso já se desculpa em si, há bem pouco a ser considerado. É um filme tão covarde no que pretende chegar, que se blinda de qualquer possível crítica, porque está mais confortável em assegurar um campo do controle de discursos que estão dados no mundo (e que, no filme, jamais se desenvolvem em suas complexidades). É o sinal do abandono do cinema, quando já não mais importa como o filme pode ser visto ou interpretado, basta a sua realização.

Referência bilbiográfica:
COELHO, Renato (org.) Mostra Jairo Ferreira: Cinema de Invenção – São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2012
Por Camila Vieira e Laís Ferreira