Olhar para duas raridades

As exibições dos longas-metragens É um Caso de Polícia! (1959) e Um é Pouco, Dois é Bom (1970) possibilitaram aos espectadores da 12ª Cine OP – Mostra de Cinema de Ouro Preto conhecer dois títulos raros do cinema nacional, com dificuldades de exibição que revelam o quanto parte da nossa cinematografia continua esquecida. A recuperação digital de É um Caso de Polícia!, único longa-metragem da diretora ítalo-brasileira Carla Civelli, permite preencher uma lacuna: o filme nunca foi lançado nos cinemas em sua época e tinha sido dado como perdido. Só foi possível encontrar uma cópia em 2003, que foi recuperada e restaurada, por iniciativa da sobrinha da diretora, Patricia Civelli. O longa de episódios Um é Pouco, Dois é Bom (1970), de Odilon Lopez, teve sua última exibição pública há 16 anos, após a morte do diretor, considerado um dos primeiros cineastas negros a dirigir longa-metragem no Brasil.

É_Um_Caso_de_Policia2

“É um Caso de Polícia!” (1959), dir: Carla Civelli

O roteiro escrito por Dias Gomes centraliza a narrativa de É um Caso de Polícia! como gênero de comédia com uma trama de mistério policial. A protagonista Belinha – interpretada por uma jovem Glauce Rocha – é obcecada por noticiários de crimes, que são assuntos para manchetes de jornais sensacionalistas. Por acaso, ela descobre dois homens que possivelmente estão planejando o assassinato de uma mulher e decide se colocar na missão de impedir o crime. Daí em diante, a jovem se submete a uma série de peripécias, que articulam o desenvolvimento da narrativa por cenas cômicas.

Os planos fixos de É um Caso de Polícia! flertam com o jogo de luz e sombra, característica marcante do cinema noir dos anos 50, que influenciou a fotografia de Mário Carneiro. Se as imagens ganham uma atmosfera de mistério pela iluminação expressionista, as situações inusitadas dotam o filme de leveza e humor. Com a curiosidade aguçada e a vontade de investigar por conta própria o que se passa, Belinha persegue os suspeitos. O filme lança pistas a partir do ponto de vista imaginativo da personagem. É importante observar que, no contexto dos anos 50, Belinha se diferencia do arquétipo da femme fatale: ela não usa a sedução e também procura resolver sozinha o enigma.

Um é Pouco Dois é Bom

Cartaz de “Um é Pouco, Dois é Bom” (1970), dir: Odilon Lopez

Um é Pouco, Dois é Bom é dividido em dois episódios. O primeiro – intitulado “Com um pouquinho de sorte” – narra a história de um casal de classe média, que enfrenta uma crise financeira, após a demissão do marido. Desempregado e sem conseguir pagar a nova casa, ele se recusa a ser despejado, enquanto sua mulher está prestes a dar a luz ao primeiro filho. A sequência que alterna a resistência do marido em casa e o parto da esposa no hospital dimensiona o desespero do casal, dentro das contradições do milagre econômico que ampliou as desigualdades sociais do Brasil nos anos 70.

O segundo episódio – “Vida Nova por Acaso” – apresenta dois ladrões, que acabam de sair da cadeia. Um deles, o batedor de carteiras Crioulo – interpretado pelo próprio diretor do filme –, se envolve com uma loira rica, por quem se apaixona. Na busca por ascensão social, ele e o parceiro tentam permanecer longe do crime, mas não conseguem. Ao acompanhar o esforço da dupla em não voltar à prisão, o episódio assume um registro onírico, enfatizando o tom de crítica em relação ao abismo socioeconômico entre os personagens.

Os dois longas de ficção compõem um painel da paisagem urbana do Brasil em períodos históricos distintos. É um Caso de Polícia! tem cenas externas nas ruas do Rio de Janeiro nos anos 50, em Ipanema, São Conrado, Leblon, Gávea e a Rocinha ainda coberta pela mata. Boa parte das internas foram rodadas em Laranjeiras, na mansão do ex-prefeito Pereira Passos, que foi demolida logo após as filmagens. Um é Pouco, Dois é Bom mostra o litoral de Porto Alegre nos anos 70, distante do cenário dos pampas que predominava no cinema gaúcho da época.

Por Camila Vieira