Ao realizarem um documentário em torno da vida e da obra do cineasta Luiz Rosemberg Filho, os diretores Cavi Borges e Christian Caselli optaram por escapar do modelo tradicional dos depoimentos e, ao mergulhar no universo cinematográfico do diretor retratado, decidiram construir o filme como uma miscelânea de imagens, que se aproxima muito do cinema de colagem realizado por Rosemberg. A estrutura do longa-metragem Rosemberg – Cinema, Colagem e Afetos (2017) assume em sua própria forma o procedimento estético que instiga o personagem de quem o filme pretende falar. Tal estratégia torna evidente a relação próxima que se estabeleceu entre a criação do documentário e uma vontade de fazer cinema que perpassa o pensamento de Rosemberg.
Ainda nos créditos iniciais com fragmentos de filmes dos primórdios do cinema, escutamos a voz de Rosemberg falar do seu apreço pelas imagens – algo que vem desde sua infância, quando doente nos hospitais, procurava pensar imagens para suportar o tempo. Em seguida, podemos ver o mural na parede da casa dele, repleto de imagens de amigos e da família, de momentos da sua trajetória, de cartazes e fotos de filmes que admira, referências literárias, enfim, nas palavras do diretor, “um carnaval de emoções”. A concretização do mural é o sentido da criação para Rosemberg, que vislumbra na colagem um ato generoso de acúmulo de imagens que ficam na memória.
O cinema de colagem é um gesto criativo de se apropriar de imagens já existentes, remontá-las e dar novos sentidos a elas. Enquanto passeia pelo mural do diretor e costura imagens de seus filmes com novas figuras animadas, o filme é guiado pela voz over de Rosemberg. Pela escuta atenta de suas falas, o documentário é também um passeio afetivo pelo discurso do cineasta. Nas poucas vezes em que aparece em cena, a presença do diretor é performática, agregando mais uma camada de imagens entre as tantas do filme. Rosemberg é a única voz do documentário. São os fragmentos de suas falas com as colagens de imagens heterogêneas que vão compor uma linha narrativa de sua trajetória como cineasta e seus principais filmes, sem necessitar recorrer aos pontos de vista de outros personagens.
O documentário efetua um percurso biográfico de Rosemberg que começa com a aprendizagem do cinema como autodidata, a paixão inicial pelo teatro e a amizade com o Teatro Oficina, e se desenvolve com o processo de realização dos filmes, como América do Sexo (1969), em parceria com o grupo de Zé Celso; O Jardim das Espumas (1970), uma ficção científica criada como metáfora do contexto brasileiro da ditadura militar; Imagens (1972), longa mudo realizado no retorno ao Brasil, após o exílio em Paris; A$suntina das Amérikas (1975), que repensa os musicais e a imagem do espetáculo; Crônica de um Industrial (1978), o primeiro longa de uma trilogia inacabada sobre o poder; O Santo e a Vedete (1982), feito no estúdio da Cinédia; até os mais recentes Dois Casamentos (2014) e Guerra do Paraguay (2016).
Ao respeitar o modo como Rosemberg pensa sobre si, sua forma de ver o mundo e de fazer cinema, o documentário é uma entrega ao olhar bastante pessoal do diretor. Não tem a ambição de dar conta do cineasta em sua completude, pelo fato de que os fragmentos de uma vida é que interessam no ato da colagem. A beleza do documentário está na escolha de algumas imagens e em deixar outras de fora. Se “o cinema é uma carta de amor ao outro” nas palavras de Rosemberg, esse filme é o indício de uma troca afetiva da dupla de diretores – Cavi e Caselli – com Rosemberg e o espectador é convocado a fazer parte dessa conexão.