Das imagens que existem

Desde as manifestações de junho de 2013 no Brasil, multiplicaram-se imagens, tomadas pela vontade de estar perto dos acontecimentos e deixar o registro deles. Parte dessas imagens foram produzidas dentro de espaços legitimados, como os grandes veículos midiáticos, e outras tantas ocuparam lugares alternativos de circulação. Diversos filmes foram realizados no calor da hora, como Rio em Chamas (2014), Junho – O Mês que Abalou o Brasil (2014) e Com Vandalismo (2013) – talvez os três títulos de maior visibilidade entre várias produções do cinema, marcadas pela urgência das jornadas de junho. Qualquer pessoa que estivesse nas ruas durante os protestos tornava-se um potencial realizador de fragmentos audiovisuais, que se acumularam em amplo banco de imagens.

Ainda em fase de finalização, o longa-metragem Operações de Garantia da Lei e da Ordem (2017), de Julia Murat, com co-direção de Miguel Antunes Ramos, chega com certa defasagem temporal em relação à eclosão das manifestações. Apresentado como work in progress na 11ª Mostra Cine BH e com exibição prevista para a 50ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o filme se permite ao recuo histórico para rearranjar as imagens dispersas já existentes e repensá-las com outro esforço de articulação e de elaboração formal, a partir da intenção de buscar um distanciamento necessário para compreender o que aconteceu e que se conecta com a conjuntura política do Brasil atual.

O esforço já não é mais de produzir novas imagens: a proposta escapa de contribuir para a multiplicação e pulverização de narrativas, que por vezes se esgotam pela indiferenciação dos discursos. O que o filme busca é persistir nas imagens que já existem e que já foram reproduzidas. É preciso não desistir do confronto com o que pensamos já ter sido visto, até mesmo para burlar a falsa percepção de que todo mundo está ciente dos conteúdos de fácil circulação. Se não há equivalência de zonas de visibilidade, demorar o olhar nas imagens pode ser uma estratégia pertinente, sobretudo quando se propõe ao enfrentamento de perspectivas hegemônicas.

Operações de Garantia da Lei e da Ordem começa e termina com pronunciamentos oficiais dos governantes: o discurso da ex-presidenta Dilma Rousseff sobre os protestos de junho em 2013 e a posse de Michel Temer em 2016. Dilma faz críticas duras à violência dos manifestantes e Temer exige ao povo brasileiro não falar mais em crise, mas se dedicar ao trabalho. O início e o fim do arco narrativo do documentário sublinha as tratativas presidenciais em coibir as revoltas da população, apaziguar as tensões e defender princípios neoliberais para garantir o desenvolvimento do país. A boa estratégia de Julia Murat em iniciar e finalizar o longa com os dois discursos permite enxergar a continuidade de uma mesma lógica de poder, que prescinde de qual indivíduo governa.

Entre os dois pronunciamentos, o filme empreende uma linha narrativa pontuada por sete passos com demandas em torno da lei e da ordem, como “estimular lideranças comunitárias favoráveis”, “enfraquecer o ânimo das forças operantes”, “utilizar meios individuais para coibir ações coletivas”, “tornar as forças armadas imunes às forças oponentes”, “fazer uso progressivo da força”. No intervalo de uma cartela a outra, trechos de coberturas televisivas da Globo, transmissões ao vivo da Mídia Ninja e outros coletivos de mídia independente, fragmentos de imagens do YouTube, entre outros materiais de arquivo, compõem os blocos narrativos do filme, sem seguir uma ordem cronológica bem definida dos eventos tratados. Em alguns momentos, a montagem apenas expõe informações já dadas e, em outros, enfatiza as contradições dos discursos hegemônicos – algo que torna explícita a orientação política de quem fez o filme. No entanto, a estrutura do documentário cumpre uma dialética que aparenta estar à espera de uma conclusão, na medida em que é um filme ainda em processo.  

Por Camila Vieira