Com o longa-metragem Bangkok Nites (2016), o diretor japonês Katsuya Tomita aparenta colocar seu pensamento cinematográfico em diálogo aberto com nomes chaves do cinema asiático contemporâneo dos anos 2000. É possível encontrar ressonâncias com cenas noturnas ao redor da mesa nos filmes do tailandês Apichatpong Weerasethakul – que inclusive é citado nos agradecimentos –, com algo próximo da atmosfera de submundo de Millenium Mambo, do taiwanês Hou Hsiao-hsien, e com o realismo das contradições urbanas nos filmes do chinês Jia Zhang-ke. No entanto, os ecos com as propostas fílmicas de outros realizadores não diluem o estilo próprio de Tomita em narrar a história de uma prostituta, em meio a negócios ilegais de expatriados japoneses que vivem na Tailândia. Tomita tem a consciência de um legado, mas seu esforço é transfigurá-lo.
O diferencial mais notável é apontar um contraponto da relação encantatória e obscura dos soldados dizimados em conflitos na Tailândia, como é conduzida na cinematografia de Apichatpong. Em Bangkok Nites, um personagem francês é o olhar estrangeiro do mal estar do colonizador a expor os danos das sucessivas guerras que assolaram a região e reafirmar, em tom jocoso, que “há fantasmas por todo lado na Tailândia”. Não há abertura para um universo misterioso a ser desdobrado, mas o reconhecimento de uma conjuntura que afetou o país e que, de algum modo, abarca os tensionamentos concretos entre exploradores e explorados.
Na primeira sequência, o reflexo da protagonista Ying Luck no vidro da janela do prédio é justaposto à visão da paisagem urbana da capital, onde ela sobrevive às custas da prostituição. Entre passeios noturnos marcados pelas luzes coloridas das estradas de Bangkok, Luck carrega no corpo o cansaço e a insatisfação de uma rotina, circundada por clientes japoneses de grande poder aquisitivo com quem ela precisa se relacionar. A personagem trabalha em um bordel, onde tantas outras jovens ficam dispostas em uma vitrine para chamar a atenção dos visitantes e, caso não sejam escolhidas, elas se distraem com seus smartphones ou com conversas sobre a dificuldade de conseguir dinheiro suficiente para sustentar seus parentes.
Em Bangkok Nites, não há escapatória para tais garotas tailandesas de origem pobre, que saíram de casa aos 16 anos, como Luck que se tornou a número 1, preferida pelos clientes mais ricos. O resquício de esperança de Luck é o reencontro com Ozawa – interpretado pelo próprio diretor do filme –, um antigo cliente por quem ela se apaixonou e que tenta ganhar dinheiro com pequenos negócios junto com um grupo de japoneses. Outrora militar, Ozawa não pretende voltar tão cedo ao Japão, onde enxerga que tudo vai mal. É curioso pensar como o fato do diretor Tomita ser japonês não exclui sua necessidade de fazer, por meio dos diálogos, uma crítica profunda e direta ao modo como os japoneses se relacionam com os tailandeses, pelo excesso de individualismo sobretudo.
No retorno à cidade natal Isan, Luck procura proteger o irmão Jimmy e a caçula Ying, para quem ela construiu uma casa, distante da mãe abusiva, que se droga e negligencia o cuidado com os filhos. Durante um passeio com Ozawa pelo bairro onde morou, Luck desabafa: “Sem dinheiro. Sem vida”. A tristeza e o vazio de permanecer em uma vida precária persistem ao longo das três horas de duração em Bangkok Nites e há desencantamento dos personagens, mesmo após a sequência que reivindica alguma esperança ao mostrar guerrilheiros em busca da revolução em um descampado repleto de crateras abertas por bombas.