Editorial Nº 5, 2020

“De que lugar se projetam os paraquedas? Do lugar onde são possíveis as visões e o sonho. Um outro lugar que a gente pode habitar além desta terra dura: o lugar do sonho. Não o sonho comumente referenciado de quando se está cochilando ou que a gente banaliza ‘estou sonhando com o meu próximo emprego, com o próximo carro’, mas que é uma experiência transcendente na qual o casulo do humano implode, se abrindo para outras visões da vida não limitada. Talvez seja outra palavra para o que costumamos chamar de natureza”.
Ailton Krenak em Ideias para adiar o fim do mundo

Se estamos em queda, se a terra estremece, as imagens que se movem podem, neste momento, dilatar e modificar o tempo, auxiliando-nos a imaginar e a reconhecer outras formas de con-viver e com-partilhar. Nesse período de isolamento social necessário à contenção do contágio pelo COVID-19 e à preservação da vida humana, a Revista Moventes conclui a sua quinta edição apresentando o dossiê Roteiro audiovisual: escrita e reflexão.

Composto por autores roteiristas-pesquisadores, esse trabalho propõe uma perspectiva teórico-analítica, e não apenas prática, do roteiro audiovisual, a partir de estudos que refletem sobre processos criativos, elementos estéticos, convenções narrativas e poéticas. O dossiê foi concebido por Carolina Amaral e Maria Caú, e organizado para publicação junto com a equipe da revista. Os textos foram elaborados tendo como ponto de partida as apresentações que compuseram as mesas “Balbúrdia” na programação do III Festival de Roteiro Audiovisual – ROTA, realizado no Rio de Janeiro em outubro de 2019. Entre os artigos, contamos com contribuições de Cristina Gomes, Rafael Leal, Juliana Milheiro, Érica Sarmet, e das editoras convidadas, Amaral e Caú.

Além do dossiê, apresentamos análises de filmes recentes do cinema contemporâneo: Alice Name-Bomtempo e Laís Ferreira escrevem sobre “A vida invisível” e há textos sobre “Coringa” e “Parasita”, ambos assinados por Ferreira. Ainda na seção o que vemos, o que nos olha, Vitor Medeiros escreveu uma análise dos três primeiros episódios do seriado cearense “Lana & Carol”. O mesmo autor também foi responsável pela cobertura da 23ª Mostra de Cinema Tiradentes, com ensaios a partir de obras exibidas no festival, e duas entrevistas com colaborações de Diego Franco e Caio Casagrande.

Assim, convidamos nossos leitores a apostar no que nos resta de esperança em meio à quarentena. Vivemos, por um lado, o avanço arrasador da pandemia, e, por outro, as consequências genocidas do atual governo, que ataca não somente as vidas da população, mas também toda e qualquer forma de pensamento intelectual e artístico. Numa entrevista sobre possíveis consequências positivas dessa crise do COVID-19, o psicanalista Christian Dunker² pondera que, apesar de ser um período mais propenso a sofrimentos psíquicos, uma estratégia de sobrevivência é narrar o sofrimento, contar a nossa travessia da peste para outras pessoas. Esperamos, com a Moventes, contribuir para manter viva a chama das inquietações teóricas e narrativas, ou simplesmente elaborar uma maneira de continuarmos respirando. Através do audiovisual, seguir sonhando que é possível reescrever as páginas dessa história, aos poucos, juntes. Projetamos os paraquedas, nos quais resplandecem as imagens.

Boa leitura!

Equipe editorial: Jocimar Dias Jr., Laís Ferreira e Vitor Medeiros
Editoras convidadas: Carolina Amaral e Maria Castanho Caú
Editora assistente: Gabriela Giffoni
(Referente aos artigos publicados entre outubro de 2019 e maio de 2020)
Notas:
1. KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 63.
2. Café da Manhã: O melhor que podemos fazer diante dessa crise. Entrevistado: Christian Dunker. Folha de São Paulo, 20 de março de 2020. Podcast. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/podcasts/2020/03/podcast-trata-do-melhor-que-podemos-fazer-diante-da-crise-do-coronavirus-ouca.shtml. Acesso em 06/05/2020.