Em O que é política, Hannah Arendt afirma: “A política trata da convivência entre diferentes” (ARENDT, 2006, p.11) e que “a política tem de lidar sempre e em toda parte com o esclarecimento e com a dispersão de preconceitos” (ibidem, p.29). No Brasil contemporâneo, torna-se difícil perseverar nessas definições. O país se revela, dia após a dia, um celeiro de intolerância, violência, verborragia. Nesse cenário, torna-se uma tarefa desafiadora desenvolver qualquer sentimento de pertencimento. E é tentador negá-lo. Os diversos ataques protagonizados por Jair Bolsonaro e os ministros do seu governo à educação, às artes, às ciências humanas e ao meio ambiente contribuem para esse cenário nefasto e reverberam o preconceito, o despreparo e o autorismo de sua gestão. No caso do cinema e do audiovisual, acompanhamos diversos ataques à Ancine e ao campo criativo. O corte de 43% do orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual para 2020 e a suspensão de apoio financeiro para cineastas participarem de festivais internacionais são sinais evidentes de uma ofensiva contra o cinema no atual governo presidencial. Outro episódio que ganhou relevância midiática foram os ataques moralistas ao filme Bruna Surfistinha, realizados pelo atual presidente, assim como o veto a projetos audiovisuais com temática LGBT, estabelecendo uma postura em que o Estado deveria estabelecer juízos acerca da qualidade e da importância das obras.
Nesse contexto, é relevante revisitar a história do cinema brasileiro e pensar como, ao longo das décadas, o audiovisual pôde, como testemunho ou como invenção, aproximar-se ou distanciar-se de discursos oficiais do Estado. Ao mesmo tempo, salienta-se a necessidade de discutirmos os efeitos das imagens que construímos, mostramos e dividimos, pensando em outros sentidos e convivências comuns. Se a propaganda oficial do governo convida para a união, a política cotidiana é exercida de modo a alimentar divisas e opressões. Assim, a Revista Moventes finaliza a sua quarta edição com o dossiê Pátria Amada. Contamos com um texto acerca de Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, assinado por Jocimar Dias Jr; uma análise sobre Era uma vez Brasília, de Ardiley Queirós, por Laís Ferreira; Fabrício Basílio e Juliana Vinuto discutem o curta-metragem Ninjas, de Dennison Ramalho, e as relações da obra com outros filmes; uma reflexão de Vitor Medeiros sobre a série O Mecanismo e o filme Polícia Federal – A Lei É Para Todos; Luciano Carneiro revisita a pornochanchada Extremos do Prazer, de Carlos Reichenbach; e Lívia Cabrera analisa a empreitada de Carmen Santos na produção de Inconfidência Mineira.
Além do dossiê, nessa edição contamos com textos de cobertura de duas edições da Mostra de Cinema de Tiradentes (21ª e 22ª), entrevistas realizadas com diversas roteiristas e textos avulsos sobre filmes brasileiros contemporâneos. Neste momento político em que o cotidiano parece, a todo momento, alimentar um cenário em que nenhuma esperança é possível, que as imagens em movimento sirvam para refletirmos sobre o presente e buscarmos caminhos luminosos no futuro.
Boa leitura!
Equipe editorial – Jocimar Dias Jr., Laís Ferreira, Vitor Medeiros